Predominantemente masculino, o setor portuário tem despertado o interesse das mulheres no mercado de trabalho nos últimos anos. Não por acaso, a presença feminina no Porto de Santos cresceu, assim como a tecnologia empregada nas operações. E a tendência é de que essa participação cresça ainda mais daqui para frente.
A presença de operadoras, eletricistas, engenheiras, administradoras e outras profissionais no complexo marítimo se intensificou a partir do momento em que novas tecnologias foram empregadas nas atividades. Essa análise é defendida pela professora Cláudia Mazzei Nogueira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no artigo O trabalho feminino e seus conflitos no Porto de Santos, apresentado no 14ª Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet), realizado no ano passado. De acordo com a publicação, com o avanço tecnológico, a força física se tornou uma característica dispensável, o que abriu portas para a mão de obra feminina.
“Com o decorrer do tempo, o trabalho foi se metamorfoseando, sendo ampliado e inserindo-se mais intensamente no Porto, espaço este, que até então, era reservado predominantemente aos homens. Hoje, o predomínio masculino ainda se mantém, mas as inúmeras transformações no mundo do trabalho, bem como a luta feminina por seu ingresso no espaço produtivo assalariado, vem ampliando a inserção das mulheres nas atividades portuárias”, destacou a pesquisadora.
Atualmente, 190 mulheres atuam na Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), a estatal que administra o Porto de Santos. A participação feminina cresceu 62% nos últimos cinco anos, quando o quadro da Autoridade Portuária contava com apenas 117 colaboradoras.
Hoje, na Codesp, 78 profissionais ocupam as função de técnico portuário, nas áreas administrativa, ambiental ou de segurança do trabalho. Outras 27 são auxiliares portuários e atuam nas manobras de atracação e desatracação de navios no complexo. Há ainda 36 mulheres responsáveis pela segurança no cais santista. As guardas portuárias cuidam do registro de ocorrências nas áreas do porto organizado, além da fiscalização do trânsito e do patrimônio portuário.
Analista de Gestão e Meio Ambiente da Copersucar, Maria Fernanda Ribeiro: Porto “é para mulher também”
Terminais
Nos terminais do Porto, a participação feminina também é crescente. Na Embraport, terminal especializado na movimentação de contêineres, na Área Continental de Santos, 106 mulheres estão presentes em praticamente todos os setores da empresa, desde o administrativo até o financeiro, o jurídico, o comercial e também os operacionais. Em 2013, quando a instalação foi inaugurada, o quadro era composto por 96 funcionárias.
São 32 mulheres atuando nas operações, como técnicas de segurança do trabalho, operadoras de empilhadeira, conferentes e monitoras de gate, entre outras funções.
Para o gerente da área de Pessoas & Organização da Embraport, Lenilton Jordão, apesar da área portuária historicamente empregar mais homens do que mulheres, essa realidade vem mudando, principalmente com a instalação de novas empresas no cais santista.
“Não há cargos que a mulher não possa ocupar, basta apenas que exista a oportunidade e que ela esteja preparada para o desafio. Todas as mulheres podem ter a chance de provar que são tão competentes ou mais que os homens, seja qual for o setor ou atividade”, disse.
Dois anos após o início de suas operações, a Brasil Terminal Portuário (BTP), que fica na Alemoa, conta com 96 colaboradoras, aumento de aproximadamente 31,5%, desde a inauguração. Ao menos seis delas ocupam cargos de gerência, 35% do total de funcionários neste nível organizacional.
Nas funções operacionais, as mulheres ocupam as posições de operadoras de RTG e de terminal tractor (caminhões de circulação interna), supervisora de segurança patrimonial, além de coordenações.
Equilíbrio
Na Libra Terminais, que fica na Ponta da Praia, dos 1.257 funcionários, 241 são mulheres. Isto corresponde a uma parcela de 19,1% de dos funcionários da instalação na Baixada Santista.
A participação feminina é maior no Centro Administrativo Libra (CAL), que reúne 71 mulheres, equivalente a 75% do total. Já no terminal, entre os 881 funcionários, 98 são do sexo feminino, o que representa 11% da mão de obra. Este percentual permanece o mesmo há dois anos.
Evolução
A analista de Gestão e Meio Ambiente da Copersucar, Maria Fernanda Pinto Ribeiro, e a conferente de carga e descarga Karina Royas Marques são testemunhas das transformações das operações e do ambiente portuário. A primeira está há 13 anos no Porto de Santos e a segunda completou 22 anos de trabalho no cais santista. Neste período, conquistaram espaço e mostraram que, quando o assunto é competência, não há distinção de gênero.
“Antes, eram poucas mulheres. Hoje, você vai perto de um ponto de ônibus e vê várias de uniforme e crachá. Não tem mais essa de que porto é só para homens. É para mulher também”, afirmou Maria Fernanda. Enfermeira de formação, ela atua na área ambiental do terminal portuário. E descobriu o Porto de Santos como mercado de trabalho por acaso, em 2003, quando fez uma entrevista de emprego. “Me assustei um pouco. Antigamente era pior. Parecia que não era um lugar para ter mulher”, conta.
Segundo Maria Fernanda, “há alguns anos, existia discriminação, mas hoje há um respeito maior e atenção. Nunca faltaram com respeito”.
Karina também não conhecia o Porto antes de entrar no mercado de trabalho. Advogada, ela prestou concurso público sem ao menos saber o que fazia um conferente de carga e descarga. “O Porto é um universo que ninguém conhece muito. Associam à estiva, mas existem várias outras categorias”.
A profissional também testemunhou grandes transformações no cais santista. Na década de 90, um dos grandes problemas era a falta de banheiros femininos no cais. Agora, a situação melhorou, mas, segundo ela, ainda não é a ideal. “No início, era mais a surpresa pela novidade de ter uma mulher na função, mas não houve espaço para preconceito. No fundo, achavam que nós não aguentaríamos”.
Mudanças
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias de Santos e Região (Sintrammar), Francisco Erivan Pereira, o preconceito ainda impede uma maior participação feminina no mercado de trabalho no Porto de Santos. Já para o presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga, Descarga e Capatazia do Porto de Santos, Marco Antônio Sanches, isto já é passado.
“Cais não é fácil. Não é uma atividade de escritório, mas elas trabalham, disputam o mercado de trabalho com igualdade e sem constrangimento”, destacou o representante dos conferentes. Sanches se refere às duas profissionais que integram sua categoria, formada por 300 associados no cais santista.
“A dificuldade é a questão dos sanitários, que são sempre masculinos. A relação é sempre boa e nunca houve distinção por serem mulheres”, explicou o presidente do Sindicato dos Conferentes.
No Sintrammar, a quantidade de mulheres é mínima, se comparado com a quantidade de homens filiados. Elas ocupam, predominantemente, funções administrativas, mas poucas já atuam em áreas operacionais nos terminais de cargas.
“Posso afirmar que é algo em torno de 0,01% do total de trabalhadores”, destacou o presidente da entidade, que tem 2 mil associados.
Para Francisco Erivan Pereira, vale a pena apostar na mão de obra feminina. No entanto, a igualdade no trabalho ainda é um processo que deve demorar para virar realidade.
“Acredito que a mulher ainda não conseguiu independência em sua totalidade. Muitas vezes, ela é vista como sem capacidade e eu repudio muito esse pensamento”, destacou Erivan.