CONTRA A MARÉ, PORTOS ELEVAM ATIVIDADE EM ANO DE RECESSÃO

Em um ano em que a economia brasileira deve recuar até 3%, os portos devem chegar ao fim de dezembro comemorando alta de 4,8% na movimentação de cargas. De acordo com estimativa da Secretaria Especial dos Portos (SEP), o volume transportado em navios no país pode chegar a 1,015 bilhão de toneladas até dezembro. Em 2014, foram 969 milhões de toneladas. A estimativa é endossada por especialistas, que atribuem o desempenho à desvalorização cambial e ao aumento do volume exportado de commodities minerais (como minério de ferro e petróleo) e, principalmente, agrícolas, com destaque para soja, milho e arroz. Quanto mais os portos movimentam, mais arrecadam em tarifas portuárias.

Além do avanço na quantidade exportada, especialistas do setor lembram que o aumento da cabotagem (transporte marítimo dentro do país) e do transbordo (movimentação de mercadorias entre portos) ajuda a explicar os resultados gerais em 2015. No Porto de Santos, o maior do país, projeta-se alta de 4% neste ano. Até setembro, o porto movimentou 88,6 milhões de toneladas, maior volume da história, crescimento de 6,8%. O Porto de Suape, em Pernambuco, registra até setembro aumento de 33,9%, com 14,8 milhões de toneladas. No Rio, todos os portos somaram 130 milhões de toneladas, alta de 3%.

AUMENTO DA SAFRA

Especialistas do setor, como Paulo Fleury, do Instituto Ilos, dizem que o resultado se deve, principalmente, à movimentação de cargas a granel, embalada pelo aumento de quase 6% da safra 2015 estimada pelo IBGE. Já o segmento de contêineres enfrenta maior concorrência, porque houve investimento de diferentes empresas nos portos, o que reduziu os preços cobrados por movimentação de carga.

— O cenário é positivo e diferente de outros setores da economia. O dólar alto, que para a economia é uma dificuldade, torna o produto nacional mais competitivo no exterior — diz o ministro da SEP, Helder Barbalho.

De janeiro a setembro, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), o volume exportado subiu 8,96%, para 494 milhões de toneladas, avanço que compensou a queda de 11,7% nas importações, com 109 milhões de toneladas.

Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, explica que, apesar de a movimentação ter gerado menos recursos financeiros às empresas — em dólar, os embarques caíram 16,7% —, estas precisam vender para não perder espaço.

— As empresas precisam exportar para, pelo menos, manter a fatia de mercado. O caso do minério de ferro ilustra isso. Apesar do preço em queda livre, as mineradoras, como a Vale, estão exportando o que podem para contornar a crise. No meio desse clima de horror na economia brasileira, o setor de portos está indo bem — diz Frischtak.

A Vale exportou, mesmo a um preço menor, 5,4% mais minério de ferro e pelotas no terceiro trimestre, frente a igual período de 2014, chegando a 76,6 milhões de toneladas, apesar de prejuízo de R$ 6,6 bilhões. É o mesmo caso da Petrobras e de outras petroleiras: os embarques de petróleo e derivados, além de combustíveis, subiram 35% de janeiro a setembro, apesar da queda no valor entre 31% e 45%.

— Surpreendentemente, há recorde de movimentação de carga este ano. Quanto mais carga é movimentada, maior o ganho com as tarifas portuárias. Os investimentos que vêm sendo feitos também ajudam a atrair mais navios — afirma Angelino Caputo e Oliveira, diretor-presidente da Companhia Docas de São Paulo, que administra o Porto de Santos.

Renaud Barbosa da Silva, professor da Ebape/FGV, diz que a maior movimentação de cargas é reflexo de um problema estrutural do país, cuja pauta de exportações é de itens de baixo valor agregado.

— Soja, minério e milho são exportados em grandes volumes. Mas em termos qualitativos isso não significa nada. O Brasil devia exportar itens de maior valor agregado — afirma Silva.

Especialistas citam ainda a Lei dos Portos, que possibilitou a renovação antecipada do contrato de quem já operava nas áreas administradas pelo governo e permitiu aos terminais privados movimentar cargas de terceiros. Altair Ferreira Filho, do Departamento de Engenharia do Ibmec/RJ, ressalta que houve modernização em vários terminais:

— Isso melhorou a cabotagem, ajudando na movimentação de cargas. Além disso, pesa o custo elevado do transporte rodoviário. Mas ainda estamos colhendo os frutos de maiores vendas de produtos sem valor agregado, beneficiados pelo dólar. Não podemos ficar satisfeitos com isso.

Roberto Teller, diretor-geral da Libra Terminais de Santos, grupo que também opera no Rio, explica que o setor de granéis vai bem graças às exportações de soja, arroz e milho. Já no segmento de contêineres há maior competição: a oferta aumentou mais que a demanda.

— Com mais concorrência, os preços tendem a cair. Para melhorar a infraestrutura e a produtividade, a Libra Terminais investiu R$ 500 milhões no Rio. Em Santos, vamos investir R$ 750 milhões até 2035, sendo R$ 450 milhões nos próximos três anos — diz Teller.

FINANCIAMENTO É ENTRAVE PARA CRESCER

Além disso, em dezembro, serão licitadas quatro áreas nos portos de Santos e Pará, com expectativa de arrecadação de R$ 1,1 bilhão, todas para transporte de commodities como soja e celulose. Segundo o ministro da Secretaria dos Portos, o governo ainda pretende lançar, ainda neste ano, um edital para mais quatro áreas — três em Belém e uma no Pará — a fim de arrecadar outro R$ 1 bilhão.

— Estamos trabalhando para renovar mais contratos de arrendamento ao longo do primeiro semestre de 2016. Somente no Rio, os investimentos previstos com a renovação são de R$ 320 milhões — afirma Barbalho.

Para 2016, segundo ele, há previsão de licitar 21 novas áreas em diversos portos. Mas especialistas veem desafios.

— Hoje o problema é o financiamento, já que o BNDES vem reduzindo seu volume de empréstimos. Buscar recursos fora do país também não é algo simples, por causa das incertezas com a economia brasileira — diz Frischtak.