ESTRANGEIRO AINDA TEM RECEIO DE INVESTIR EM CONCESSÕES

Não é hora de investir no Brasil. É essa a percepção de alguns investidores estrangeiros da área de infraestrutura, que veem oportunidades "melhores" nos vizinhos latino-americanos, conforme especialistas ouvidos pelo Valor que têm com clientes no exterior. Crise política, dificuldade de financiamento e insegurança jurídica fruto de mudanças de marcos regulatórios compõem a "tempestade perfeita" que repele o investidor de infraestrutura no país.

No momento em que o governo interino de Michel Temer seleciona as suas primeiras concessões, questões importantes de modelagem ainda estão em pauta. Conforme antecipou na segunda-feira o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, o primeiro lote deve englobar os aeroportos de Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Florianópolis, o trecho rodoviário entre as cidades de Jataí (GO) e Uberlândia (MG) e o terminal de passageiros do porto de Recife – em um pacote que deve exigir investimentos de R$ 12 bilhões.

Tirando casos isolados como o chinês CCCC, que desembarcou no Brasil com a promessa de comprar parte do futuro porto privado da WTorre, em São Luís (MA), os empresários enxergam com ceticismo a iniciativa do governo de deslanchar as concessões de transporte – tidas pelo presidente interino Michel Temer como a tábua de salvação para reanimar a economia.

Entre as licitações com mais chance de sucesso, avaliam os especialistas, estão as dos aeroportos

Embora menores, países como Colômbia, Peru ou Chile oferecem ambiente considerado mais amigável, seguro e transparente quanto às regras do jogo. Essa foi a principal leitura que Fernando Marcondes, sócio do escritório L.O. Baptista-SVMFA, percebeu em uma reunião com investidores de vários países, principalmente Estados Unidos e Canadá, que aconteceu no exterior no início do mês.

Um dos problemas é a incerteza política. Segundo Marcondes, investidores estrangeiros citam exemplos de instabilidade na postura do governo, dentre elas as mudanças nas regras do setor elétrico anunciadas em 2012. Outro problema enfrentado diz respeito a financiamento. “O contrato diz que o risco de financiamento é da concessionária”, explica, ao mesmo tempo em que o investidor depende do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sem que este garanta que vai financiar os projetos.

Já para Bruno Werneck, sócio da área de infraestrutura do escritório Mattos Filho, as concessões brasileiras conseguem atrair investidores estrangeiros, já que “alguns desses ativos são muito bons, como os aeroportos”, mas ele concorda que esse interesse é menor que o potencial, não fossem todos os problemas enfrentados pelo país.

Além da incerteza quanto ao papel do BNDES nos projetos, ele destaca que os estudos preparados pelo governo são muito otimistas em relação a projeção de receita futura e que não tem sentido manter o controle da taxa de retorno em um país com taxa de juros a 14,25%. “O cenário macro atrapalha, embora não inviabilize”, diz. “A grande questão é que o investidor tem opções e nós criamos modelo muito amarrado que gera inseguranças.”

Para Werneck, uma via para mitigar o risco cambial seria indexar parte da tarifa à variação de uma moeda estrangeira ou a uma cesta de moedas. Ou, para não passar esse risco para a tarifa, indexar a remuneração do investidor (neste caso, o governo assume o risco). “Há a certeza do retorno na moeda do investidor e a possibilidade de se financiar em qualquer lugar.”

Para Marcondes, uma alternativa seria a adoção de mecanismos jurídicos que reduzam a dependência de quem está no poder. Ainda não estão claras, porém, quais mudanças serão feitas no programa de concessão da presidente afastada Dilma Rousseff – mas o aceno é que serão alterações de fundo, com redução da ingerência política.

O primeiro episódio foi a suspensão do leilão das seis áreas em portos do Pará marcado para o dia 10 de junho devido ao baixo interesse. O ministro dos Transportes, Mauricio Quintella, ouviu o empresariado, que aponta problemas técnicos e de insegurança jurídica nos editais e minutas do contrato há meses. Essa é a segunda vez que o leilão de portos no Pará é adiado – originalmente estava marcado para o dia 31 de março, mas o governo postergou por problemas técnicos no envio de respostas a pedidos de esclarecimentos.

Além disso, entre a confecção dos editais, em 2013, e o momento do leilão o cenário mudou, o que ensejaria mudança de parâmetros, como a movimentação de cargas. A mesma avaliação fazem grupos outrora interessados no leilão da “rodovia do Frango”, que cortará os Estados do Paraná e Santa Catarina e que estaria próximo de sair. A demanda de tráfego estaria superestimada, lastreada em um PIB que não mais se confirmará.

Entre as licitações com mais chance de sucesso, avaliam os especialistas, estão as dos aeroportos. Diferente de portos, por exemplo, onde há a possibilidade de se fazer um empreendimento privado, o interessado em operar aeroporto depende da abertura de licitação pelo Estado. “Em aeroportos, existe demanda reprimida muito grande”, diz Werneck, em comparação com rodovias, que avalia ser “mais sensível à economia”.