A justiça determinou a devolução do porto da cidade de Porto Murtinho ao Governo do Estado, ao atender pedido formulado em Ação Popular ingressada em março de 2004, em que se pediu a anulação da licitação em que a exploração comercial do terminal foi concedida à iniciativa privada, sob a alegação de ocorrência de fraude. A decisão ocorre após duas anulações.
De acordo com a decisão datada do último dia 17 e disponível no site do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, o juiz da 2ª Vara dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, David de Oliveira Gomes Filho declarou nulo a licitação e o contrato que transferiu a concessão para a empresa APPM.
Além disso, ele determinou a devolução da administração e de toda a estrutura do terminal portuário ao Governo do Estado, inclusive as benfeitorias. O magistrado também determinou que seja expedido imediatamente “mandado de constatação e de levantamento fotográfico da estrutura física e material do Porto, com o maior número de detalhes possível, para fins de registro da situação atual”.
Em seu despacho de 24 páginas, o juiz determina que o Governo estadual se prepare para receber o Porto de Porto Murtinho, e assim que puder fazê-lo “com o mínimo de prejuízo possível aos serviços, comunique nos autos para que seja emitido o mandado de imissão de posse”. Até que isso não ocorra, o terminal portuário continuará sob a atual administração.
A Ação Popular foi ingressada pelo procurador do Estado aposentado Esacheu Nascimento e pelo ex-secretário Estadual de Indústria e Comércio, Alfredo Sulzer. Conforme constam nos autos, eles entraram com a ação alegando que “os requeridos participaram de uma fraude para obter o contrato de concessão de serviço público para a exploração do Terminal Hidroviário de Porto Murtinho. Eles teriam se utilizado das empresas requeridas, uma das quais com sede nas Ilhas Virgens Britânicas (Outbrás) e que pertenceria ao ex-governador José Orcírio Miranda, para simular uma situação de meras negociações empresariais, quando, na verdade, os verdadeiros beneficiários da concessão deste serviço público teriam sido o ex-governador José Orcírio Miranda, seus irmãos, cunhada e sobrinho.”
Ainda de acordo com o que consta no processo, em 2000 o então governador Zeca do PT criou uma Comissão para elaborar um estudo sobre o Porto de Porto Murtinho e ao final os integrantes dessa Comissão recomendaram a realização de uma licitação para conceder à iniciativa privada a concessão para a exploração do terminal. A empresa vencedora teria que pagar dívida que o Estado tinha com a Egelte, de R$ 2.020.898,01, em valores de 31 de julho de 2000.
Assim, no dia 13 de julho de 2001 o governador e o secretário estadual de Infraestrutura e Habitação, Vander Loubet, assinaram o contrato de concessão 001/2001 com a vencedora da licitação, o Comport (Consórcio Portuário de Murtinho), formado pelas empresas Outbras (Outstanding Brasil Administração e Participação Ltda) e F. Andreis & Cia Ltda.
Os autores da ação consideraram “estranho” que três meses e 11 dias após, o Comport cedeu gratuitamente o contrato para a APPM (Agência Portuária de Porto Murtinho). E mais estranho ainda, que em 2003, dois anos depois, a F. Andreis se retirou do Comport, dando lugar para a Integrasul e Riopar. Cada uma delas passaram a ter 30% das cotas e a Outbras, 40%. E aparecem como sócios dessas empresas parentes do ex-governador e integrantes da Comissão que recomendou a concessão da exploração do terminal portuário para a iniciativa privada.
No processo consta que eram sócios da Integrasul Ozório Miranda dos Santos e o filho dele, Fábio Silva dos Santos. Ozório é irmão de Zeca do PT e a empresa teria como sócia Myrian Silvestre dos Santos, mulher de Heitor Miranda dos Santos, também irmão do ex-governador. Faziam parte da Riopar Myrian Silvestre dos Santos, Izabel Cristina Gomes Yarzon e o marido dela, Fermiano Yarzon. Fermiano fez parte da Comissão que recomendou a entrega do Porto de Murtinho à empresa participar, por meio de licitação.
Na decisão, o juiz David de Oliveira Gomes Filho condenou os requeridos ao pagamento dos prejuízos causados ao Estado. Consta no despacho do magistrado, que pela outorga do serviço o Governo do Estado recebeu da concessionária, em valores atualizados até 16 de junho de 2010, R$ 483.676,94.
“Este valor aparenta destoar gritantemente do que era esperado, se for considerado que a testemunha ouvida informa que o porto chegou a movimentar 250.000 toneladas de carga ao preço de U$ 3,00 a U$ 5,00 (dólares) a tonelada. Numa conta simples de multiplicação, temos uma movimentação financeira de U$ 1.250.000,00 (dólares) num único ano”, diz o magistrado. O prejuízo ao Estado, chegaria a R$ 1.120.667,45.
Procurador pelo Campo Grande News, o advogado Newley Amarilla, que defende Zeca do PT, afirmou que vai entrar com recurso, embora o ex-governador não tenha tido participação alguma no processo de concessão do Porto de Porto Murtinho, cidade localizada na fronteira com o Paraguai, a 431 km de Campo Grande.
Já o advogado Wladimir Rossi, que no processo defende as empresas que detém o controle do Porto e também dos irmãos, cunhada e sobrinho do ex-governador, afirmou que vai entrar com recurso e espera que a decisão seja reformada, já que a outorga à iniciativa privada, ao contrário do que foi alegado, não trouxe prejuízo ao Estado.
Nos autos, Vander Loubet se defendeu dizendo que os autores da Ação Popular “trazem meras conjecturas e divagações acerca de possível cartel de pessoas ligadas ao governador”, que não não nenhuma ilegalidade ou lesão aos cofres públicos e que apenas assinou o contrato de concessão do porto e a cessão de direitos e deveres da Comport à APPM.
Já Ferminiano Yarzon contestou a ação, alegando que não participou da licitação, que apenas fez parte da Comissão Interinstitucional de Vistoria e Constatação de Obras do Terminal Hidroviário Interior do Município de Porto Murtinho que executou levantamentos físicos e contábeis no local anteriormente à licitação. A mulher dele alegou que não deve fazer parte da ação, porque não é mais sócia da Riopar.