CONCESSÕES ELEVAM PRESSÃO SOBRE ESTRUTURA DE AGÊNCIAS REGULADORAS

Perto do anúncio de um robusto programa de concessões, que o governo pretende usar como injeção de ânimo na economia, as agências reguladoras vivem uma situação bem menos estimulante: há escassez no quadro de servidores responsáveis pela fiscalização do crescente número de contratos firmados entre o poder público e a iniciativa privada para a exploração de serviços de infraestrutura.

Duas agências envolvidas na organização dos principais leilões que devem ser anunciados pela presidente Dilma Rousseff, no dia 9, enfrentam a pior situação: a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

A Anac dispõe hoje de um contingente 20% inferior ao que tinha em 2006, ano de sua criação, quando herdou militares do extinto DAC – subordinado ao Comando da Aeronáutica – e técnicos cedidos da Infraero. Por exigência legal, esses servidores retornaram gradualmente aos órgãos de origem, mas seus postos ainda não foram totalmente preenchidos.

Mesmo com o crescimento anual de 11% da aviação na última década e com a privatização de cinco grandes aeroportos, a agência só preencheu 1.167 dos 1.755 cargos de servidores efetivos previstos pela legislação. Um pedido de abertura de concurso para a contratação de mais 534 especialistas, técnicos e analistas espera resposta do Ministério do Planejamento há mais de dez meses.

Segundo fontes da Anac ouvidas pelo Valor, a escassez de pessoal tem afetado áreas internas, como emissão de brevês para pilotos e processos relacionados às concessões existentes. Dois exemplos são citados: a multa pelo atraso nas obras do aeroporto de Viracopos (SP) e o pedido de reequilíbrio econômico-financeiro no aeroporto de Guarulhos (SP).

Em Viracopos, o novo terminal deveria ter ficado pronto em maio de 2014, antes da Copa do Mundo. Só uma parte das obras terminou no prazo e a agência prometia multar a concessionária Aeroportos Brasil – controlada por UTC e Triunfo – em até R$ 170 milhões, mas até hoje não concluiu sua análise do processo.

Em graus diferentes, o déficit de pessoal afeta também a ANTT, que em outubro do ano passado pediu ao Planejamento um reforço de 670 servidores. Mais de 80% das vagas pleiteadas são de especialistas e técnicos em regulação de serviços de transportes terrestres, justamente os profissionais encarregados de fiscalizar as concessões de rodovias e ferrovias.

Com o programa de investimentos em logística (PIL), lançado em agosto de 2012, a malha rodoviária federal concedida à iniciativa privada passou de 3,9 mil para os atuais 8,8 mil quilômetros. Até agora, tem sido possível deslocar um ou dois servidores para inspecionar diariamente cada lote de estrada, a fim de ver se as obras e a prestação de serviços estão em dia. Sem novos concursos e com a tendência de mais milhares de quilômetros de concessões, o ritmo de fiscalização dificilmente poderá ser mantido.

Uma evidência da falta de pessoal já foi notada na fiscalização da ferrovia Transnordestina – que, apesar de ser um projeto privado, conta com farto financiamento federal. Após muita negociação, o governo decidiu assinar, em janeiro de 2014, um novo contrato com a Transnordestina Logística, prevendo uma readequação do cronograma de obras e, sobretudo, punições para eventuais atrasos.

O primeiro prazo estipulado venceu em 22 de janeiro deste ano, dia em que deveria ter sido entregue um trecho da ferrovia entre os municípios pernambucanos de Salgueiro e Trindade. Questionada à época sobre o cumprimento do prazo, a agência não tinha resposta. A conclusão de que a TLSA ignorou o dia estabelecido em contrato só veio dois meses depois, mediante novo questionamento do Valor.

“Como vamos fiscalizar se não há pessoal suficiente?”, questiona João Maria Medeiros, presidente do Sinagências, sindicato que representa os servidores de órgãos reguladores. “Sabemos das restrições orçamentárias, mas é preciso ter foco. Se o governo não tem condições de tocar suas obras com recursos públicos, por meio do Dnit ou da Infraero, tem que equipar as agências para fiscalizar os contratos.”

Um levantamento feito pelo Sinagências apontou déficit de cinco mil servidores nas agências como um todo – não apenas as que lidam diretamente com infraestrutura. Uma proposta de aumentar o quadro total para 14,5 mil funcionários, até o fim de 2018, foi levada ao Planejamento. “Isso é imprescindível para darmos conta das atribuições, mas não tivemos nenhuma sinalização de que novos concursos serão autorizados.”

Até quem já fez concursos, como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), vive incertezas. Responsável pelas licitações dos novos contratos de arrendamento nos portos organizados, além de autorizações para terminais privados, a agência fez concurso para 143 vagas no ano passado. O pessoal aprovado não tomou posse até hoje porque falta a autorização para nomeá-los.

Na semana passada, em depoimento à Comissão Mista de Orçamento, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, afirmou que, uma vez definido o decreto de programação orçamentária e financeira de 2015, começam a ser autorizadas as nomeações de concursados. O montante total de vagas que serão preenchidas deverá sair até o fim de junho. Barbosa foi questionado especificamente sobre os concursos do Banco Central e da Anvisa, mas sinalizou que a resposta abrangia outras carreiras.