Distorções em dados da Antaq atrapalham investimentos

Inconsistências identificadas por agentes do setor marítimo e portuário em dados processados pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) prejudicam a interpretação dos volumes de cargas e atrapalham a atração de investimentos para os portos. Investidores questionam dados disponibilizados tanto no Sistema de Informações Gerenciais (SIG) quanto nos anuários da agência. Cruzando dados da Antaq com outros oficiais e interagindo com o mercado é possível perceber discrepâncias que, se resolvidas, poderiam ajudar exportadores, importadores, armadores, terminais e investidores a usarem dados mais precisos nas decisões do dia-a-dia.

No recém-publicado Anuário de 2017 da Antaq, o transporte de contêineres por cabotagem, por exemplo, é de 1,285 milhão de TEUs no embarque e de 1,202 milhão de TEUs no desembarque, uma diferença de 83 mil TEUs. Considerando que o modal acontece entre portos brasileiros, um dos questionamentos mais antigos dos profissionais desse setor é saber por que os volumes de embarque e desembarque na cabotagem não batem.

“Existem muitas opções de análise que poderiam ser feitas, mas a base está ruim”, afirma Leandro Carelli Barreto, sócio da consultoria Solve Shipping. Ele diz que em duas ocasiões, uma em 2014 e outra em 2017, apresentou essas distorções, principalmente em dados sobre transbordo e cabotagem, à equipe técnica da agência. Barreto observa que a maioria dos erros e dúvidas de terminais, armadores e investidores mostrados em 2014 persiste até hoje.

Uma das correções realizadas ainda em 2014 foi inclusão de dados sobre a carga de transbordo do Porto Itapoá (SC), antes não reportados pela agência. No entanto, a carga de transbordo de Paranaguá ainda não constava no sistema, como se não houvesse nenhuma operação desse tipo nesse porto. Até o fechamento desta reportagem, a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) e o Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP) não haviam confirmado se encaminham dados de transbordo para a Antaq com regularidade.

Conceitualmente, uma carga que sai de Paranaguá (PR), transborda em Santos e vai para Europa, poderia ser lançada na Antaq em três movimentos: Embarque-Cabotagem-Paranaguá; Desembarque-Cabotagem-Santos; e Embarque-Longo Curso-Santos. Para Barreto, existe uma série de evidências sugerindo que esse conceito não está totalmente assimilado entre as dezenas de portos e terminais que reportam seus dados à Antaq.

No campo “Tipo de Navegação”, por exemplo, o volume de transbordo em navios de longo curso em 2016 aparece com o dobro do volume de transbordo em navios de cabotagem naquele ano. Contudo, nos últimos anos, grande parte do crescimento da cabotagem foi motivada exatamente pelo aumento no volume de transbordo, provocado pelas maiores dimensões dos navios de longo curso operando na costa brasileira.

Como encontram restrições de acesso em vários portos brasileiros, esses navios precisam coletar e depositar suas cargas em portos concentradores de carga que, por sua vez, se conectam às respectivas origens e destinos finais da carga por meio da cabotagem. Além disso, de acordo com as normas da Antaq, o transbordo em navio de longo curso só pode ser feito mediante autorização específica (waiver) para determinado transbordo diante da indisponibilidade ou falta de capacidade dos serviços de cabotagem para atender à demanda.

O problema, no entanto, não reside apenas em informações relacionadas à cabotagem e transbordo. Dados de mercado baseados em informações de armadores dão conta de que, no transporte de contêineres cheios de longo curso, existe divergência de 100 mil TEUs a mais em relação aos dados da Antaq, apenas entre janeiro e junho de 2017. Tendo em vista que a movimentação no segundo semestre é mais forte do que no primeiro, estima-se que essa divergência tenha terminado 2017 na casa dos 230 mil TEUs a menos nas bases da Antaq.

Na última quinta-feira (15), durante apresentação do Anuário 2017, o diretor-geral da agência, Adalberto Tokarski, destacou que a metodologia vem sendo aprimorada pela área técnica da Antaq a fim de captar cada vez mais dados para o sistema. Na ocasião, o gerente de estatísticas e avaliação de desempenho da Antaq, Fernando Serra, afirmou que o Sistema de Desempenho Portuário (SDP) da agência tem evoluído, com reuniões anuais que contam com participação de todos os portos organizados, além da troca de informações com alguns terminais portuários privados.

Serra acrescentou que, desde 2017, a Antaq focou no aperfeiçoamento das informações sobre transbordo. “Conduzimos uma melhoria no sistema no sentido de igualar o que a Receita Federal já tem hoje no sistema mercante (Siscarga), onde ele mapeia toda questão do transbordo”, disse. Ele reconheceu que esse mapeamento era uma das deficiências do SDP. Serra afirmou que, desde janeiro, a agência está alinhada com a mesma metodologia da Receita Federal, o que permitirá saber o transbordo no detalhe. “É uma evolução que vai ser sentida já no próximo ano”, projetou.

Já o superintendente de desempenho, desenvolvimento e sustentabilidade da Antaq, Arthur Yamamoto, revelou que a agência também possui um projeto para melhorar a interpretação dos indicadores dos terminais e estabelecer curvas de eficiência de acordo com a realidade de cada um. “Para não haver leitura enviesada dos números vamos trabalhar metodologia esse ano ainda”, adiantou.

Yamamoto destacou a dificuldade do rastreamento de cargas terrestres. “Quando falamos de origem e destino da carga perdemos essa informação porque nem sempre onde emite a nota fiscal é onde aquela carga efetivamente foi produzida”, explicou. Serra acrescentou que mapear e rastrear essas cargas é complicado. “Existem iniciativas como a nota fiscal eletrônica. O problema é acesso a essas bases porque envolve sigilo”, disse.